JARDIM DE VOZES - O SÍTIO VIRTUAL DO MAPA DA ESCUTA
Comece por aqui, ou não... Você pode ir aonde quiser, na ordem que quiser e quando quiser. Arrisque-se, você é livre! O caminho aqui se propõe tão espontâneo ou planejado como a presença das canções em nossas vidas.
Sinta-se livre para navegar nesse “Atlas de Mapas de Escutas” da maneira que quiser. Navegar é preciso, viver não é preciso [1], já dizia Fernando Pessoa , então experimente-se na imprecisão. De qualquer modo, sejam bem-vindes ao Meu "Infinito Particular" [2]. Eis aqui uma voz-canção de abertura, um convite-canção para caminharmos por esse jardim...
(Marisa Monte)
eis o melhor
e o pior de mim
o meu termômetro
o meu quilate
vem, cara, me retrate
não é impossível
eu não sou difícil de ler
faça sua parte
eu sou daqui
eu não sou de Marte
vem, cara, me repara
não vê, tá na cara,
sou porta-bandeira de mim
só não se perca ao entrar
no meu infinito particular
em alguns instantes
sou pequenina
e também gigante
vem, cara, se declara
o mundo é portátil
pra quem não tem nada a esconder
olha a minha cara
é só mistério, não tem segredo
vem cá, não tenha medo
a água é potável
daqui você pode beber
só não se perca ao entrar
no meu infinito particular
Neste sítio, jardim ou mata selvagem de palavras e canções, você encontrará alguns registros de trilhas que percorri e percorrerei para desenhar mapas de escutas existenciais-musicais acompanhada das canções, de alguma forma, esse blog, site, ou "sítio", pode ser compreendido como Um Mapa, ou melhor um Atlas do Mapa da Escuta.
Então, o que se encontra aqui não é necessariamente um blog ou um site, mas, um Atlas de Mapas de Escutas Musicais e Existenciais. Talvez, trilhas, roteiros modos de explorar, caminhar, viver e descrever as Dimensões Estéticas e Musicais da Existência, especialmente a Dimensão Canção, e os modos de cuidado destas na existência. Um modo de mostrar como a arte nos ajuda a viver, especialmente UMA ARTE DA ESCUTA EXISTENCIAL DAS CANÇÕES, mas não só, uma vez que a canção nunca está só, ela vive e se faz sempre acompanhada.
É uma obra aberta, uma expressão artística moderna e contemporânea, no sentido de dizer que ocorre nos dias de hoje, que é atual, não exatamente que se tenha estilo moderno ou contemporâneo tal como definido por algum filósofo, historiador ou qualquer outro tipo de teórico da arte, até porque a proposta é experiencial e fenomenológica, e nesse sentido todas as teorias são suspensas para dar lugar à experiência vivida, à fala falante, à expressão de um ser no mundo tal como defendido por Merleau-Ponty, um ser que é a fonte absoluta, mas que também nunca está só, que já nasce em um mundo e para o mundo, e assim sua expressão não é solitária e individual, mas é expressão de um ser no mundo, um mundo com-partilhado.
Assim, a expressão que aqui aparece, é singular, pois sou eu que puxo seus fios, sou eu que teço esses textos (e esse berço) [3] e no movimento das palavras me vejo rodeada de sentidos tal como o tecelão de Merleau-Ponty, e assim já não me sinto tão só com o universo ao meu redor. [4]
UNIVERSO AO MEU REDOR
(Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte)
tarde, já de manhã cedinho
quando a nevoa toma conta da cidade
quem pega no violão
sou eu, sou eu
pra cantar a novidade
quantas lágrimas de orvalho na roseira
todo mundo tem um canto de tristeza
graças a deus, um passarinho
vem me acompanhar
cantando bem baixinho
e eu já não me sinto só
tão só, tão só
com o universo ao meu redor
Assim, aqui a experiência é sempre singular e intersubjetiva, sou eu que conduzo o fio da escrita, mas é meu samba que manda na pena e escrevo o que ele pensar [5], e então o que sempre já aparece é um mundo compartilhado: eu com outros, eu com muitos, outros através de mim, muitas formas de relações e relacionamentos que não pretendo delimitá-las, mas simplesmente deixá-las aparecer a partir do meu desejo de me mover, a partir do movimento e expressão do que couber na escrita, na escuta, no diálogo, na canção, essa é a minha “Condição” [6].
não quero causar impacto,
nem tão pouco sensação,
o que digo é muito exato,
é o que cabe na canção
(Condição – Lulu Santos)
E o que cabe na canção? Tudo aquilo que a existência consentir, tudo que ela puder acessar, aonde ela puder ir, o que puder ficar, o que puder passar... escrevo como quem [7] escuta e dialoga com canções, fazendo linguagem, deixando a língua da canção se fazer, se refazer, se desfazer, me fazer, me lamber .... De tudo se faz canção ...[8]
Mas, é sempre bom lembrar que além de um copo vazio estar cheio de ar [9] , um mapa não é o território, é um conjunto de trilhas que favorecem a caminhada pelos territórios. O território está sempre em transformação. Aliás território é uma abstração, o que há é vida, é chão, são lugares e modos de habitá-los, de vivê-los, onde há coisas, pessoas, relacionamentos e relações. Há interligações entre as coisas, sejam essas percebidas ou não, propositais ou não. Há um campo de relacionamentos e relações. E como dizia Djavan:
o que não se vê,
está aí como tudo que há .
(Luz – Djavan) [10]
E nesse sentido, a palavra Sítio, que é usada na língua portuguesa não pelos brasileiros, mas pelos portugueses, parece ser uma palavra mais interessante que site ou blog, pois lembra um lugar de descanso, com árvores, natureza, um território de descansar, de brincar, de amar, de gozar a vida. Tal como o campo de flores o qual recorreu Carolyn Kenny para pensar na noção de campo (I) em seu The Field of Play e a Ecologia do Ser na Musicoterapia.
A noção de Ecologia é bem-vinda. Ela indica interconexão e um modo de habitação. Dentre as definições de ecologia que se encontram por aí, a que mais ressoou e repercutiu em mim foi a seguinte:
(...) “ecologia” etimologicamente quer dizer “discurso sobre habitat”, eco <oikos: casa, habitat e logia> < logos : discurso)>. Haeckel (1866) a define como: “A ciência das relações dos organismos com o mundo circundante, isto é, num sentido amplo, a ciência das condições de existência. (Fonte: Éc(h)opoética: cantar, ouvir, vivenciar os lugares) (II)
Reparem que bonito o título do artigo do qual retirei a citação acima: Éc(h)opoética: cantar, ouvir, vivenciar os lugares , é assim, ou seja, poeticamente, que esse mapa deve ser compreendido. As canções que aparecem são ecos existenciais que soam, ressoam, repercutem, que ajudam a levar adiante, e do melhor modo a árdua tarefa de existir.
O “Atlas de Mapas de Escutas”, o “Sítio Virtual do Mapa da Escuta”, ou ainda o “Jardim de Vozes” - chame como você quiser, é bem provável inclusive que surjam outros nomes e outros sentidos, a vida não deixa de fazer-se, de criar-se – enfim, esse espaço nasce como uma tentativa de tornar conexões visíveis, de registrar elos e relações que aí estão, mas que nem sempre são percebidas com facilidade, há um campo, um território em comum percorrido por muitas pessoas. Esse campo é o da experiência musical. Esse mapa pretende mostrar Trilhas da Dimensão Musical da Existência, especialmente quando essas trilhas nos ajudam a viver, sobreviver, quando a experiência musical se torna um modo de cuidado.
Cuidado é aqui usado como um termo aberto e poético para designar modos de relação, de se lançar no mundo, de cuidar de si e do mundo, de cuidar de si no mundo e do mundo em si. A palavra poderá ser compreendida a medida que vai aparecendo, não pretendo adotar nenhuma categoria ou definição fechada de cuidado. São noções, não conceitos. Noções são mais abertas que conceitos, mas ainda assim apresentam algumas características fundamentais que as permitem que aquilo que se fala seja chamado por tal nomeação ... nome... ação .... noção...
As palavras não são significações inertes, elas carregam consigo história, relação com as coisas e com as situações vividas. Palavra são coisas vivas, tem cheiro, gosto, forma, peso, densidade e até cor [11]. As palavras às vezes me escrevem e me inscrevem, às vezes sinto que nem sempre sou eu que as escrevo, sinto que elas me escrevem distraídas tal como cantou Chico Buarque em Uma Palavra.
UMA PALAVRA
(Chico Buarque)
palavra prima
uma palavra
só a crua palavra
que quer dizer tudo
anterior ao entendimento
palavra
palavra viva
palavra com temperatura
palavra
que se produz
muda
feita de luz mais que de vento
palavra
palavra dócil
palavra d'agua pra qualquer moldura
que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
qualquer feição de se manter palavra
palavra minha
matéria, minha criatura, palavra
que me conduz
mudo
e que me escreve desatento
palavra
talvez à noite
quase-palavra que um de nós murmura
que ela mistura as letras que eu invento
outras pronúncias do prazer, palavra
palavra boa
não de fazer literatura, palavra
mas de habitar fundo
o coração do pensamento, palavra
As canções, as palavras, as sonoridades em seus ritmos, gostos, cores e densidades dão a oportunidade de escutar, descrever, desvelar e compreender a existência. Elas são elos, enlaces, ecos, ecoações, eco-ações, escoações, escavações, vazões, vazios, vocações ... não são um em si fechadas em si mesmas, estão sempre em relação, elas são relações, juntas constroem sentidos que não cessam de se manter e de se renovar. Canções são modos de cantar e ARTicular palavras, sons, vivências, sensações, experiências, vidas... Uma rica, diversa, ampla e extensa ecologia das canções.
Aqui nos reunimos em torno da Dimensão Musical da Existência, da Dimensão de Cuidado da Canção, e nos envolvemos com a canção e a palavra poética pra caminhar, andarilhar nesse campo, no território do existir. Canções bússolas, canções mapas, canções guias.
Ouvir canções, se envolver com canções, estar junto com canções, deixar canções nos cantarem e nos contarem, habitar o mundo da canção, habitar o mundo com canções.
Esse mapa se desenha vagorosamente e com retoque, é uma obra aberta e em movimento, tal qual como a vida. Novos sentidos, novos gestos, novas escutas, novas trilhas poderão ir aparecendo ao longo do tempo e dos caminhos, novas postagens, novos enlaces, novas relações...
O Sítio ProvoCanções Existenciais pode ser compreendido também como um Jardim de Vozes... Vozes faladas, cantadas, escritas, escutadas. Tais vozes são caminhos, trilhas de compreensão em um campo de movimentos possíveis e incandescentes, elas indicam sentidos e direções. Vou aonde minha voz me leva, sigo aquelas vozes que me tocam, e mais uma vez como no início desse texto, soa a voz suave de Marisa Monte em minha "rádio-cabeça-corpo-coração-canção” (III) , a qual será chamada aqui neste "Sítio-Campo-Jardim-Mapa" de "Rádio Incand'Essência" – aquela que acende, ilumina e incendeia os elementos essenciais da existência. A voz de Marisa já fez presente outras vezes hoje nessa escrita, já apareceu no início, no meio e agora encerra essa seção ou seria sessão? (ps: essa é uma dúvida de sentido poético, não de gramática)
AQUELA [13]
(Antonio Leonardo Reis Costa / Marisa Monte)
na noite prata, a estrada plana
a lua brilha nua e branda
no alto vai, derrama a luz do céu
à tarde, cruzo a linha urbana
um porto, um canto, um novo som
eu sei levar a vida assim de tom em tom
na onda clara, estrada afora
o meu destino é agora
aonde me levar a minha voz, eu vou
lá, lalalaiá, laiá
lá, lalalaiá, laiá
lá, lalalaiá, laiá
lá, lalalaiá
NOTAS:
(I) Além do exemplo de “Campo Florido”, Kenny também utiliza como exemplo de Campo, um “Campo de Futebol”, como um campo de jogo, um "The Field of Play", o que nos remete mais uma vez a mais uma interlocutora deste texto, Marisa Monte com a sua canção "Um a Um" (13), feita com os seus parceiros “Os Tribalistas”, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, e o jogo de Marisa é tal como o Campo do Tocar de Kenny, é do empate, da brincadeira, de se perder para ganhar o outro, fazer a surgir a relação por meio da canção.
(II) BOURLET, LORIN E MORAND, (2020) Éc(h)opoética: cantar, ouvir e vivenciar lugares
(III) “rádio-cabeça-corpo-canção” é uma nomeação proposta por mim para se referir aquelas canções que de repente, começam a tocar na nossa cabeça sem permissão.
Canções no Fio da Escrita:
(1) OS ARGONAUTAS (Caetano Veloso) - baseado no poema de Fernado Pessoa.
(2) INFINITO PARTICULAR (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte)
(3) PRA VOCÊ GUARDEI (Nando Reis)
(4) UNIVERSO AO MEU REDOR (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte)
(5) GOLPE DE VISTA (Douglas Germano)
(6) CONDIÇÃO (Lulu Santos)
(7) LÍNGUA (Caetano Veloso) - com Elza Soares
(8) CLUBE DA ESQUINA N.2 (Milton Nascimento/ Lô Borges/ Márcio Borges)
(9) COPO VAZIO (Chico Buarque/ Gilberto Gil)
(10) LUZ (Djavan)
(11) AS COISAS (Arnaldo Antunes/ Gilberto Gil)
(12) UMA PALAVRA (Chico Buarque)
(13) AQUELA (Marisa Monte)
(14) UM A UM (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte)
Com-Versações com:
BATESON, Greogory.
INGOLD, Tim
KENNY, Carolyn
MERLEAU-PONTY, Maurice
PESSOA, Fernando
+cancionistas citado acima em Canções no Fio da Escrita
Tags:
Mapa da Escuta
